Privacidade e o comportamento humano

O ser humano tende a naturalmente ser egoísta. Grande parte das decisões cotidianas são tomadas quase de forma automática, sem muitos questionamentos e, de forma geral, inconscientemente. Com isso, não nos damos conta se tais decisões afetam ou não a vida de terceiros. Tendemos a escolher aquilo que melhor nos beneficia, ainda que em detrimento de outros. Isto sempre valeu também para a violação da privacidade alheia.

A privacidade nada mais é do que o direito individual e a vontade de cada um de controlar a exposição e a disponibilidade de informações íntimas e privadas acerca de si mesmo. Contudo, essa escolha pessoal deixou de ser respeitada ao longo dos anos, conforme as informações se tornavam mais acessíveis a todos, de forma mais simples e rápida.

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Os negócios tornaram-se mais ágeis e massificados e, para frear o uso indiscriminado dos nossos dados pessoais, o mundo teve que regulamentar o tratamento deles, não tendo sido diferente aqui no Brasil com a publicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Fato é que, até a publicação da LGPD, ninguém se dava conta se estava ou não agindo de forma antiética ou inoportuna. Não se pensava sobre privacidade e livre escolha das pessoas sobre terem os seus dados e vida íntima acessados, assim como receberem inadvertidamente acesso à serviços e/ou produtos.

Isso porque os dados pessoais estavam aí disponíveis, e podíamos simplesmente usá-los para qualquer objetivo. A nós, quando no papel de pessoas comuns, apenas cabia aceitar, reclamar, deletar os muitos e-mails e/ou telefonemas que recebíamos todos os dias.

Mais do que regulamentar o tratamento dos dados pessoais e obrigar as pessoas, empresas e entidades e usá-los com um fundamento, a LGPD veio como a função de mudar o comportamento social no uso das informações individuais. Veio para nos mostrar que é possível atingir todas as metas profissionais com mais segurança e, ainda assim, respeitar a privacidade e a intimidade de cada indivíduo.

Trata-se de uma lei fundamentada em princípios que visam essencialmente o respeito à privacidade, a autodeterminação informativa, as liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião, a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem, o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação, a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor, os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais.

Essencialmente, a LGPD devolveu a cada pessoa o direito de comandar e decidir por si só como, quando e porque seus dados pessoais podem e devem ser tratados no mundo de hoje.

E como fazemos isso? Precisamos mesmo frear o mundo digital para que esse direito seja plenamente respeitado? A resposta parece complexa, mas não é. Precisamos mudar a forma de pensar e agir quando tratamos dados pessoais. Precisamos mudar o comportamento humano. Simples assim!

A própria lei nos trouxe essa resposta e desenhou os mecanismos e caminhos para que sejamos todos novamente educados para compreendermos a importância do cuidado com as pessoas e, como consequência, mudarmos a nossa conduta e hábitos de modo a equilibrar a necessidade urgente do mundo business e o respeito ao indivíduo.

Imagem: Cristian Dina/Shutterstock

A LGPD traz a obrigação de adoção de boas práticas e de processos de governança. Ter um conjunto de “boas práticas”, em regra, significa adotar técnicas identificadas como as melhores para realizar determinada tarefa ou, ainda, definir a forma correta de atuação dos respectivos profissionais. Governança corporativa é o conjunto de processos, decisões, costumes, ideias que mostram como uma empresa (geralmente) privada ou sociedade é dirigida ou administrada.

Uma empresa atenderá plenamente a LGPD quando, antes de qualquer implementação, treinar e educar seus colaboradores sobre a Lei. Quando cada profissional entender e aceitar que o tratamento dos dados pessoais deve respeitar o indivíduo a quem aqueles dados pertencem, teremos a chave do sucesso.

A essência do planejamento, aceitação e ação das boas práticas está fundamentalmente no ser humano que conhecerá e operará tais mecanismos e políticas. Com isso, o conjunto de boas práticas e governança corporativa definido por cada instituição será facilmente implementado e reconhecido por todos.

Não podemos esquecer que a maioria dos incidentes de segurança acontecem por falha humana, daquela pessoa que, no dia a dia, processa e trata os dados pessoais. Sendo assim, treinamento e conscientização constante são fundamentais para que o programa seja efetivo! E não esqueçamos de que, por mais segurança tecnológica que se tenha, o fator consciência humana faz toda diferença, por isso, o maior e principal investimento deve sempre ser nas pessoas!

Na sequência, a entidade deverá garantir que todo tratamento de dados pessoais tenha uma base legal, manter registro sobre as operações, elaborar relatório de impacto quando o tratamento puder gerar riscos às liberdades civis e aos direitos fundamentais, possuir sistemas seguros, possuir mecanismos de rápida resposta e informações aos titulares de dados, descrevendo a metodologia usada para coletar, compartilhar os dados pessoais e assegurar a proteção destes, indicar um Encarregado de Dados e avaliar permanentemente as suas salvaguardas e mecanismos de mitigação de riscos.

A LGPD chegou para nos ensinar que, mais do que cumprir mais uma lei, é possível trabalhar, fazer negócios e ainda assim olharmos para cada pessoa como seres únicos e que tem escolhas próprias. Podemos fazer de forma respeitosa e ética. Podemos simplesmente fazer diferente e com muito mais ganhos no coletivo e no individual.

Daniella Caverni Machado é Líder do GT Proteção de Dados da ABES

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