Eclipse Total do Sol de 1947 e uma das primeiras batalhas da Guerra Fria

Eclipses do Sol já motivaram guerras, já promoveram a paz, casamentos, nos ajudaram a compreender o Universo à nossa volta, comprovaram importantes teorias científicas e contribuíram para o desenvolvimento da nossa tecnologia. Mas um eclipse ocorrido em 1947, uniu tudo isso, menos o casamento, em um único combo promocional, entregue em domicílio aqui no Brasil. 

As fotografias do Sol eclipsado feitas em nosso país naquele dia, nos ajudaram a comprovar a Teoria da Relatividade de Einstein, a medir com mais precisão a superfície do nosso planeta, e forneceu dados importantíssimos para o desenvolvimento de armas mais poderosas. Além de transformar o interior de Minas Gerais em um dos primeiros campos de batalha de uma Guerra travada sem tiros entre americanos e soviéticos, a Guerra Fria.

[ Fotografia do Eclipse do Sol de 1947 – Créditos: Mc Leish ]

Ao contrário do que ocorria na antiguidade, o Eclipse Total do Sol de 20 de maio de 1947 já havia sido previsto há muito tempo e era esperado pela população da estreita faixa de visibilidade que cortava a África Central e a América do Sul, passando pelo Brasil. O fenômeno também foi capaz de trazer para terras brasileiras o por alguns dos mais importantes cientistas e engenheiros do mundo naquela época, além de militares dos Estados Unidos e da União Soviética. 

Por trás do interesse militar no evento astronômico, estava uma história que havia começado dois anos antes, no coração da Europa destruída pela Segunda Guerra Mundial. Pouco antes da queda de Berlim, soldados americanos na Áustria receberam a rendição de um grupo de cientistas alemães que se autodenominavam Raketeningenieuren, que em português significa “engenheiros de foguetes”. Entre eles, estava o jovem genial Wernher von Braun, simplesmente o cara que projetou o V2, o primeiro foguete balístico da história. 

[ Wernher von Braun ao se entregar a soldados americanos em maio de 1945 – Créditos: Louis Weintraub ]

Não é exagero dizer que grande parte das conquistas espaciais alcançadas pela humanidade a partir dos anos 50 só foram possíveis graças a von Braun e aquela inesperada rendição em 1945. Mas isso é uma outra história. 

Ao ser preso pelos americanos, von Braun revelou não só os segredos do V2, mas também de um projeto de um foguete de 2 estágios chamado América. E o nome já diz tudo. O seu objetivo era atravessar o Oceano Atlântico e atingir os Estados Unidos. Seria o primeiro míssil balístico intercontinental. Mas com a queda da Alemanha, os americanos recrutaram von Braun e parte da sua equipe para desenvolverem suas ideias na América.

Outros acabaram se aliando aos soviéticos que também corriam para desenvolver sua bomba atômica e seus mísseis balísticos. O único problema  é que o sistema de direcionamento daqueles mísseis só tinham precisão em pequenas distâncias e a única forma de corrigir isso seria conhecer de forma muito precisa, as medidas do nosso planeta. E é aí que entra o eclipse de 1947.

Como a Lua se move ao redor da Terra em uma velocidade praticamente constante, medir o deslocamento da sua sombra durante um eclipse seria uma forma engenhosa de calcular, com precisão, as distâncias entre os continentes. Tanto americanos quanto soviéticos já haviam percebido isso, e planejaram expedições para acompanhar o eclipse de 1947 aqui no Brasil.

[ Caminho do Eclipse de 1947 – Créditos: Fred Espenak / NASA GSFC ]

Ambos também escolheram o Estado de Minas Gerais como sendo destino de suas expedições. A escolha se deu principalmente por estar em um local onde o eclipse poderia ser visto em sua plenitude e também devido ao clima seco da região.

Os americanos se estabeleceram na cidade de Bocaiuva e eles não estavam para brincadeira. De cara, construíram uma pista de pouso de quase 1200 metros onde aviões americanos decolavam e pousavam o tempo todo trazendo mantimentos, veículos e equipamentos científicos para o registro do eclipse. Também construíram o Camp Eclipse, uma base com galpões, barracas, restaurante e toda estrutura para receber as centenas de pessoas envolvidas na expedição.

[ Galpão e telescópios erguidos no Camp Eclipse em Bocaiuva, MG – Créditos: National Geographic Society ]

Além das dezenas de telescópios, câmeras fotográficas, espectrógrafos e filmadoras e outros equipamentos em solo, os americanos também adaptaram um avião B-17 para acompanhar a sombra do eclipse e registrar todo e evento em uma altitude de 10 mil metros.

Já os soviéticos, não tiveram tanta sorte. Faltando 3 meses para o eclipse o professor líder da expedição morreu deixando sua equipe órfã. Eles também não se programaram com tanta antecedência quanto os americanos. escolheram a cidade de Araxá no triângulo mineiro, mas acabaram chegando lá apenas 10 dias antes do eclipse depois de ficarem presos no gelo dos mares soviéticos.

Eles não trouxeram uma equipe tão grande mas contavam com precisos equipamentos criados para fazer as medições geodésicas intercontinentais, principal o objetivo da missão. Assim que chegaram no Brasil se ocuparam em calibrar os seus equipamentos e preparar todos os instrumentos para registrar o fenômeno astronômico.

E quando o dia amanheceu naquele vinte de maio de 1947 já era possível ver que as expedições seriam bem sucedidas. Não havia nenhuma nuvem no céu quando o eclipse se iniciou pouco depois das 8 da manhã, o que disparou aquela que foi talvez, a primeira batalha da Guerra Fria. A disputa era travada não por fuzis e canhões, mas sim pelos instrumentos dos cientistas em Bocaiuva e Araxá. Em ritmo frenético, as chapas fotográficas eram retiradas dos telescópios e levadas para revelação. Os tique-taques dos relógios marcaram de forma precisa o tempo de cada registro e, no ar, o B-17 americano iniciava apontava o seu “canhão fotográfico” para o Sol, a mais de 10 mil metros de altitude.

[ “Canhão fotográfico” do avião B-17 americano utilizado para registrar o eclipse de 1947 – Créditos: National Geographic Society ]

Quando a Lua ocultou completamente o disco solar, transformando o dia em noite por alguns minutos, os pássaros voaram desnorteados, as galinhas voltaram para o puleiro e os cientistas em ambos os campos de batalha, gritaram eufóricos, enquanto registravam imagens da coroa solar e das estrelas próximas ao sol eclipsado.

O Eclipse Solar de 20 de maio de 1947 possibilitou aos astrônomos americano e soviéticos, estudar a coroa solar e fazer medições geodésicas precisas do nosso planeta. Claro que a intenção não era nada pacífica, mas sabe quem ganhou essa batalha? A Ciência. E as fotos do eclipse registradas em Bocaiúva permitiram aos cientistas comprovar a Teoria da Relatividade de Einstein. Mas isso foi apenas um reforço comprobatório, já que a Teoria da Relatividade já havia sido confirmada anteriormente, em um outro eclipse, também registrado aqui no Brasil. 

Mas essa é uma outra história que nós vamos contar em outra oportunidade!

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