Especialistas afirmam que cura das células falciformes é segura para humanos

Especialistas reunidos em painel nos EUA afirmaram, na terça-feira (31), que tratamento inovador para a doença falciforme é seguro para uso clínico. A afirmação antecipa provável aprovação da FDA, até 8 de dezembro, dessa poderosa cura potencial para a doença que atinge mais de 100 mil estadunidenses.

O tratamento é conhecido como exa-cel e é desenvolvido em conjunto pela Vertex Pharmaceuticals, de Boston (EUA), e pela CRISPR Therapeutics, da Suíça. O órgão regulador estadunidense já havia descoberto que ele é eficaz.

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Exa-cel

O Exa-cel é capaz de demover os pacientes dos efeitos debilitantes e dolorosos da doença, que é crônica e capaz de matar;Caso o tratamento seja aprovado, o Vertex será o primeiro medicamento a tratar uma doença genética com a técnica de edição genética chamada CRISPR;Ele também pode ser a primeira de várias novas opções para curar a enfermidade;Em 20 de dezembro, o FDA também decidirá sobre outra cura em potencial para a anemia falciforme;Trata-se de terapia genética desenvolvida pela Bluebird Bio de Somerville, Massachusetts (EUA).

O que é a anemia falciforme?

A doença falciforme é causada por mutação genética que deforma as células sanguíneas. Elas ficam com uma aparência de foices, por exemplo. As células deformadas ficam presas nos vasos sanguíneos e causam derrames, danos a órgãos e episódios de dores agonizantes, dado que os músculos ficam sem oxigênio. Ela afeta milhões de pessoas em todo o mundo, em especial, pessoas com ascendência africana

O número de células falciformes começa bem cedo na vida dos enfermos. Em entrevista ao The New York Times, Evelyn Islam oito anos, de Milwaukee (EUA), recebeu 22 transfusões de sangue até hoje e precisou remover seu baço antes mesmo de completar três anos. “A terapia genética é nossa última esperança de cura”, disse Melissa Nicole Allen, mãe da garota.

Infelizmente, as novas opções terapêuticas não chegarão em tempo para algumas pessoas. Ashley Valentine, cofundadora do grupo nacional de defesa Sick Cells, se ausentou três meses de seu trabalho em 2016 para ajudar seu irmão Marqus, que tinha a anemia falciforme. O pai deles deixou o emprego em 2018 para auxiliar o filho, pois Marqus fez prótese de quadril naquele ano. “E somos só nós”, disse ela.

Marqus morreu em 2020, aos 36 anos, vítima de acidente vascular cerebral (AVC) causado pela doença que ele tinha.

Os novos tratamentos para anemia falciforme devem custar milhões de dólares por paciente, apesar de a Vertex não ter revelado quanto irá cobrar. Contudo, os cuidados que os pacientes devem ter ao longo da vida também são muito caros, chegando a cerca de US$ 3 bilhões (R$ 15,1 bilhões na conversão direta) por ano.

Não se sabe quantos enfermos vão buscar se tratar com o novo tratamento. O que complica para os pacientes, quando se trata das novas terapias, é que elas também não são fáceis de suportar e trazem dificuldades, pois, ao tratamento, será incluída quimioterapia e as pessoas acometidas pela doença passarão um mês internados. Como se não bastasse, os familiares poderão precisar de faltar ao trabalho durante a fase mais intensiva do tratamento.

Para médicos e muitos pais que viram seus filhos suportar anos de agonia (e que sofrem junto), há alegria e esperança no futuro.

“Finalmente chegamos a momento no qual podemos imaginar curas amplamente disponíveis para a doença falciforme”, disse o Dr. John Tisdale, diretor do ramo de terapêutica celular e molecular do Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue e membro do comitê consultivo ao NYT.

Dana Jones, de San Antonio (EUA), quer que suas filhas Kyra, 18, e Kami, 20, consigar realizar um dos novos tratamentos.

Ambas sofreram AVCs que as deixaram com dificuldades de aprendizado – lesões essas que poderiam ter sido evitadas caso tivessem feito teste de rastreio e tratamento que prevene nove em cada dez AVCs em crianças com anemia falciforme. Kyra está na UTI atualmente, enquanto os médicos tentam controlar sua dor.

Jones está impressionada com a possibilidade de que suas filhas possam ser curadas. “Oro para que Kami e Kyra possam ser curadas desta doença terrível e que finalmente possam viver de verdade”, disse.

Célula anêmica (Imagem: Saiful52/Shutterstock)

Anemia falciforme e seu histórico

A causa da anemia falciforme é conhecida há quase 70 anos, mas as pesquisas demoraram, pois, em parte, muitos pacientes eram negros e oriundos de famílias pobres e da classe trabalhadora, segundo especialistas.

Existem vários tratamentos para reduzir o impacto das células falciformes. Há quem consiga transplantes de medula óssea que podem curar a doença. Contudo, naturalmente, isso exige encontrar doador e, após o transplante, a necessidade de medicamentos para evitar que o corpo rejeite as células.

Nos últimos anos, muitas empresas de biotecnologia tentaram novas abordagens. A Bluebird Bio avança na terapia genética, enquanto a Vertex e a CRISPR Therapeutics focam na edição de genes CRISPR-Cas9, capaz de localizar áreas específicas do DNA e ativar ou desativar genes.

O CRISPR permitiu que pesquisadores desabilitassem genes, de modo a avaliar sua importância na pesquisa biomédica, mas, até o momento, não foi utilizado como tratamento para pacientes com doenças genéticas.

Para tratar as células falciformes, o CRISPR corta pedaço de DNA nas células-tronco da medula óssea. A ação libera gene bloqueado no corpo para produzir forma de hemoglobina normalmente produzida apenas pelo feto. O gene fetal estimula a produção de hemoglobina sem o formato de foice.

Em ensaios clínicos, os pacientes não apresentavam mais as complicações da doença e não necessitavam de transfusões de sangue. Porém, há receio de que o CRISPR possa cortar pedaço de DNA na parte errada do genoma, podendo perturbar um gene e causar câncer no sangue.

Apesar dessa preocupação, nenhuma situação como essa surgiu nos ensaios clínicos, mas o ensaio Vertex envolveu apenas 44 pacientes e apenas 30 tiveram acompanhamento por 16 meses ou mais. A empresa fez extensas comparações do DNA dos pacientes com o de pessoas em bancos de dados robustos, analisando a probabilidade de tais falhas de ignição do CRISPR.

A Vertex afirmou planejar acompanhar pacientes de ensaios clínicos por 15 anos. Seus dados da empresa foram tranquilizadores o bastante para que o comitê de especialistas afirmar não ver razão para suspender o tratamento.

Alexis Komor, membro do comitê e professora de química e bioquímica da Universidade da Califórnia em San Diego (EUA), afirmou que sempre pode haver estudos adicionais. Mas ela pontou que isso seria “esperar a perfeição às custas do progresso”.

O Dr. Joseph Wu, de Stanford, acrescentou que “todos concordamos que os benefícios superam os riscos. Esses pacientes estão bastante doentes e esta é uma boa terapia.” Scot Wolfe, da Escola Médica Chan da Universidade de Massachusetts, disse: “Queremos ter cuidado para não permitir que o perfeito seja inimigo do bom”. “Há uma enorme necessidade não atendida”, completou.

Quem pode ter acesso ao tratamento

A Vertex estima que 20 mil pessoas podem ser elegíveis para o tratamento e diz que o Medicaid (sistema de saúde dos EUA) e as seguradoras privadas sugeriram que estão dispostas a pagar por ele.

“Quase não há como eles não conseguirem pagar”, disse o Dr. David Williams, chefe da divisão de hematologia e oncologia do Hospital Infantil de Boston (EUA).

Williams prestou consultoria para Vertex e Bluebird Bio e acrescentou que as seguradoras pagam “US$ 3 milhões [R$ 15,1 milhões] por unidade” por outras terapias genéticas produzidas pela Bluebird Bio para as doenças talassemia e adrenoleucodistrofia. Com a anemia falciforme e a enorme quantidade de enfermos negros, disse ele, há questão de “equidade no acesso e a tremenda necessidade médica”.

Algumas pessoas com a doença podem não ser elegíveis ao tratamento, a depender das decisões da FDA. Podem incluir crianças pequenas com anemia falciforme e pacientes mais velhos cujos corpos foram tão danificados que o tratamento pode representar riscos a mais.

Kevin Wake, de Kansas City, Missouri (EUA), espera não estar muito velho, aos 55 anos, ou com muitos problemas causados pela doença. Ele teve três derrames causados pela anemia.

Tratamentos difíceis

Nos tratamentos atuais, os pacientes, primeiro, recebem oito semanas de transfusões de sangue e tratamento para liberar células-tronco da medula óssea na corrente sanguínea.

As células-tronco são retiradas e enviadas às empresas para passarem por tratamento. Em seguida, os pacientes passam por intensa quimioterapia para limpar a medula das células tratadas. As células já tratadas são reinfundidas em seus respectivos donos, que precisam seguir no hospital por pelo menos um mês enquanto as novas células crescem e repovoam as medulas.

Esse tratamento “não pode ser administrado na maioria dos hospitais”, disse o Dr. Alexis Thompson, chefe da divisão de hematologia do Hospital Infantil da Filadélfia, que presta consultoria para a Vertex. Outra questão é a rapidez com que a Vertex pode aumentar sua produção. As células de cada paciente precisam ser tratadas individualmente em ambiente estéril, uma perspectiva árdua.

Stuart Arbuckle, vice-presidente executivo e diretor de operações da Vertex, está confiante. “Estamos prontos para o lançamento”, disse, acrescentando que não espera onda gigante de pacientes imediatamente.

“Esta é uma decisão muito importante para um paciente tomar”, disse Arbuckle.
Uma das pacientes do ensaio clínico Vertex, Marie-Chantal Tornyenu, 22, estudante do último ano da Universidade Cornell, disse que os pacientes também precisavam estar preparados para o “ajuste mental” após o tratamento.

A estudante disse ainda que não tinha mais as crises de dor que sofria, especialmente no Ensino Médio, quando era hospitalizada quase todos os meses. Ela passou grande parte de sua vida tomando precauções e se preocupando com a dor e as complicações da doença. São hábitos difíceis de reverter.

“É uma grande curva de aprendizado ter tido anemia falciforme durante toda minha vida”, afirmou. “Ainda estou lutando com essa mentalidade – ‘a célula falciforme é você’”.

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